Por Frederico Vasconcelos
Sob o título “Não à velha política do calote“, o artigo a seguir é de autoria de Marcelo Gatti Reis Lobo, conselheiro secional e presidente da Comissão de Precatórios OAB-SP, e Cláudio Sérgio Pontes, presidente do Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares do Poder Público (Madeca).
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Em meio ao caos vivido pelo Brasil, onde nem a Presidência da República é poupada de escândalos, o Congresso Nacional prepara mais um movimento que jogará para as calendas a expectativa de pessoas que esperam há pelo menos duas décadas para receber o que entes públicos de todo o país lhes devem. Caso vingue mais uma emenda constitucional que ganha articulação, a PEC 212 de 2016, o resultado será um calote bilionário pelo não cumprimento de decisões judiciais que esperam desfecho há mais de vinte anos.
O problema, histórico no Brasil, parecia finalmente perto de ter solução.
No mês de dezembro de 2016, após longos meses de inédito debate democrático entre credores e devedores, foi promulgada a Emenda Constitucional de número 94. Sua finalidade foi a de, enfim, restabelecer a regularidade dos pagamentos precatórios, adequando a sobrevida do regime especial para os entes em atraso, com rigorosa observância ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal em 25 de março de 2015, no julgamento da ADI nº 4.357 – proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil contra alterações introduzidas no regime de precatórios pela anterior Emenda Constitucional de número 62, de 2009.
A Emenda Constitucional 94, em síntese, estabeleceu regras aos entes devedores em atraso, principalmente para impossibilitar infinidade de moratórias. Trouxe no seu conteúdo, a manutenção do regime de vinculação de receitas para o pagamento de precatórios e facultou ao devedor mecanismos para a busca de recursos complementares, de modo a liquidar o estoque da dívida até 2020.
No entanto, nas últimas semanas, os credores que, em consenso com os devedores, apoiaram e trabalharam para a promulgação da Emenda 94, foram surpreendidos com a retomada na tramitação na Câmara dos Deputados de outra proposta de emenda constitucional, a PEC 212/16, que visa atender interesse de pequeno grupo de devedores contumazes.
A nova tentativa de alteração do texto constitucional é explícito e vergonhoso calote e representa retrocesso jurídico, político e social, com intuito de prolongar por muitos outros anos o parcelamento da dívida e reduzir a 1/3 a verba de repasse para pagar as dívidas reconhecidas pela Justiça. A PEC 212/16, no aspecto jurídico, é uma aberração, pois nasce eivada dos mesmos vícios que levaram o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade da Emenda 62, inclusive conhecida como ‘emenda do calote’.
Em tempos de discursos de eficiência de gestão, em meio à notória desmoralização que assola o país e causa perplexidade na sociedade, a insistência em tentar alterar a Constituição Federal para atender a velha política do calote, em flagrante desrespeito à orientação expressa do Supremo Tribunal Federal, certamente acirrará a crise institucional existente. E não há como esconder que, mais uma vez, a vítima deste pretenso golpe será a sociedade, incrédula com a postura daqueles que, ao assumirem o poder, usam a máquina para atender a seus interesses políticos e ignoram as obrigações de Estado.
É totalmente inoportuna qualquer alteração legislativa no regime de precatórios, considerando que não há mais de seis meses de vigência da Emenda Constitucional 94 – vale reforçar, fruto de consenso entre todos os envolvidos e que traz mecanismos eficazes para a solução do problema. Além disso, uma mudança colocará em risco os avanços reais já obtidos com a regra vigente.
O que se faz necessário neste momento é vontade política, transparência e verdadeira gestão para, com responsabilidade e compromisso, dar cumprimento ao mandamento constitucional em vigor.
Fonte: Folha de São Paulo – 15/08/2017
Por Frederico Vasconcelos